segunda-feira, 30 de setembro de 2013
domingo, 29 de setembro de 2013
Integração do Projeto de recuperação do mangue de Magé com a população local
ENTREVISTA ADEIMANTOS
Charles – Como é que foi quando você chegou aqui? O que você viu?
Adeimantos - A área do projeto eu já conhecia, não como projeto, porque eu peguei caranguejo, nessa época, quando tinha florest81a. Apanhava caranguejo e já fui pescador. Inclusive, vim parar no projeto porque a pesca foi proibida quando teve derramamento de óleo. O pescado que nós tínhamos aqui as pessoas não compravam porque estava totalmente contaminado. Era a única coisa coisa que eu sabia fazer. Ou pescava ou trabalhava na construção civil. Na construção civil daqui também não dá para ter um ganho melhor. Surgiu o projeto e eu fui, fiz minha inscrição e me chamaram, deram a oportunidade de eu trabalhar. Foi funcionando desde o início a abertura de canais quando começou o plantio, limpeza dessa área... Nisso daqui tinha um tapete de garrafas pet com uns 12 de largura e mais ou menos 1 metro de altura só de garrafa pet. Eu fui trabalhando e gostando do serviço, que mexia com o meio ambiente. Eu tinha tudo a ver porque já trabalhava com o meio ambiente. Eu pescava tanto dentro da Baía como pegava caranguejo e siri. Tem um siri de mangue, o siri açu, que é grande e azul, e eu andava uma base de dois quilômetros só catando esse siri por dentro do mangue.
Charles – Como é que te chamaram? Como foi a abordagem? Como é que você soube do projeto desse trabalho e como foi que te chamaram? Como é que foi isso?
Adeimantos - Foi por intermédio da colônia de pescadores. Como eu sou registrado na colônia, ela fez como se fosse uma sindicância para saber quem dos pescadores queria trabalhar dentro de um projeto de recuperação de manguezais. Como o serviço aqui estava escasso, eu fui e falei: "Eu vou" "Vou trabalhar". Vim para cá e comecei a trabalhar. Fui me apegando tanto com os biólogos como àqueles que tinham amor pelo que estavam fazendo. Ainda mais quando começou... De início a gente começou fazendo limpeza. Depois que a gente entrou recuperando mesmo a área, plantando as mudinhas, produzindo as mudas desde semente dos propágulos até elas chegarem a cerca de 50, 60 centímetros. Você pegar uma planta que você produziu no viveiro e trazer para dentro de campo, plantá-la, vê-la crescer... isso que é satisfação, não é? A melhor parte é essa: ver o ambiente recuperado.
Charles – Legal, vou te pedir um negócio, mais tecnicamente, para você me contar... No início, o que vocês fizeram? Por quanto tempo? Depois, o que vocês fizeram? Conta como foi esse processo todo até hoje.
Adeimantos - No início do projeto nós ficamos basicamente um ano fazendo limpeza da área e tirando o lixo porque tinha muito lixo dentro da área. A quantidade era tanta, que para a gente poder tirar o lixo de dentro da área, a gente teve que fazer uma cerca para poder conter o que estava chegando. Aqui é assim, é enxugar gelo. Você tira o lixo hoje e de manhã, de tarde chega lixo, à noite chega lixo e no outro dia tem mais lixo. E a área tinha muito lixo. A gente teve que fazer uma cerca de contenção, botar uma equipe tirando o lixo dessa cerca, que era uma quantidade muito grande, enquanto outra equipe estava dentro da área limpando e removendo esse lixo. Não sei te dizer quantas toneladas e quantos caminhões de lixo saíram daqui. Era muita coisa. Depois desse ano que nós acabamos de limpar a área, ficamos um ano fazendo drenagem. A área, como estava deserta, ressecou muito. Desidratou a área. Tinha lugar que você andava e dava para andar de carro dentro dessa área. Até os moradores locais jogavam futebol nessas partes porque secou tanto que não tinha como germinar nada ali. A maré trazia os propágulos, eles chegavam ali e começavam a germinar, mas o sol sufocante em cima desidratava e eles acabavam morrendo. Depois desse um ano de drenagem nós começamos a trabalhar com plantios de mudas. No início, nós trabalhávamos com transplante. Íamos em outras áreas onde tinha mudas pequenas, tirava com uns torrões de 20 por 20, 30 por 30, de acordo com o tamanho da planta, trazíamos e íamos plantando nesses canais. Só que tínhamos outros problemas. A gente conseguiu resolver o da irrigação da área e depois começamos a ter problemas com os caranguejos. Tinha muitos dentro da área e estavam famintos porque não tinha planta nenhuma. As que tinha eram a que estávamos plantando. Como eles estavam famintos, a gente estava fazendo um banquete para eles, oferecendo uma salada para os caranguejos. Então, nós começamos a fazer vários estudos, passamos fita isolante nas plantas e graxa, para ver se os caranguejos não comiam. Fomos tentando várias técnicas até chegar na garrafa pet, que foi a ideia de um estagiário, que falou: "Eu vi em outro projeto, mas de mata atlântica, que o pessoal usava garrafa pet para proteger dos animais". Nós começamos a plantar e vimos que estava dando certo. Todas as plantas que plantávamos com garrafas pet os caranguejos não tinham acesso porque tentavam subir e escorregavam até desistir e procurar outro alimento. Nós fazíamos dois plantios: um sem garrafa e outro com. As que estavam sem garrafa os caranguejos comiam. As que tinham garrafa a gente estava tendo um resultado positivo. Plantamos umas três espécies: a de mangue branco, que é a laguncularia racemosa; a rizófora mangle, que é a mangue vermelho aqui na região e que os pescadores chamam vulgarmente de sapateiro; e a de mangue negro, que é a aviscenna shaveriana, que os pescadores daqui conhecem como siriba.
Charles – Você falou que foi primeiro um ano para limpar mais um ano...
Adeimantos - Um ano de abertura de canais e, no terceiro ano, começamos a fazer os plantios, quando os canais já estavam prontos. Das três espécies, a que melhor se adaptou à área, que a gente começou a ter um resultado positivo mais rápido, foi a de mangue branco, a laguncularia racemosa, porque ela, tanto em crescimento como adaptação a solo... porque a gente tinha um solo que tinha poucos nutrientes, não tínhamos um solo bem nutrido. Então, a gente tinha que plantar a que melhor se adaptasse. A de mangue negro, nós começamos a fazer um trabalho, só que menor, mas nós tínhamos muito problema com o mangue negro por causa de lagartas. Tinha muito ataque de lagarta aqui, no ínicio do projeto, na de mangue negro. O que nós fizemos? Deixamos elas de fora, de stand by, e começamos a trabalhar, em seguida, com mangue vermelho, que foi a segunda que começamos a ter resultados, mas nós tínhamos problemas também. Nós abrimos canais para irrigar a área, só que não conseguimos irrigar toda a área. O mangue vermelho é pioneiro e vem próximo da Baía de Guanabara. Quando nós plantávamos ali elas sentiam muito porque elas só tinham água da Baía quando tinha maré alta. Nos períodos de maré baixa, elas desidratavam e muitas acabavam morrendo porque é a planta que mais necessita de água, tanto que ela tem até raízes aéreas, que sai dos troncos e galhos e que, além de ajudar a fixar, captam mais água do solo. Depois que nós tivemos o resultado, sofremos bastante para ter o resultado com a rizófora mangle e começamos a trabalhar com a aviscenna agora, já no final. Mas, para a gente poder trabalhar com a aviscenna, o que nós tivemos que fazer? Introduzir nas partes mais altas... porque, quando nós cavávamos os canais, aquele bota-fora ou taludes nós montávamos do lado dos canais. Então, fazia um piso de solo mais alto, onde a gente entrou plantando uma gramínea com o nome de espartina e uma outra com nome de bacopa. Essa bacopa dá nas regiões mais salinas. Ela filtra o solo para que outras espécies venham surgir ali. Dentro desses taludes, dessas partes mais altas, começamos a introduzir a aroeira, que dá aquela semente rosa, que eles chamam de pimenta rosa. É uma sementezinha vermelha que, ao descascar, fica rosada e atrai os pássaros. Nessa que a gente estava atraindo os pássaros, as plantas de aviscenna em que nós tínhamos os ataques de lagartas, os pássaros vinham comer as sementes e acabavam fazendo uma depredação natural. A gente não precisava usar inseticida nenhum porque a gente trabalhava com a natureza, trazia alimento para os pássaros e ele comia justamente os insetos que nós tínhamos, como apareceram também vários gaviões, que comeram muitas das lagartas... Isso, em um período de cinco, seis anos depois que as plantas começaram a ficar maiores. Aí, nós não tivemos muitos problemas, nem com os caranguejos, que já podiam se alimentar das folhas que caíam das plantas maiores. O solo começou a ficar mais nutrido porque as folhas que caíam iam enriquecendo o solo e as plantas que nós plantávamos na margem da Baía acabaram contribuindo porque as raízes seguram parte do lixo, que já não entra para dentro da área e acaba protegendo as plantas menores que vem surgindo lá no fundo. Depois que a gente recuperou parte dessa área 1, começamos a trabalhar na área 2, que é mais fácil de trabalhar...
Charles – Você sabe o tamanho das áreas?
Adeimantos - Da área 2 eu não sei o tamanho certo, mas a 1 tem 12 hectares. A área 2 a gente está plantando por hectare. Juntando o nosso trabalho feito nas áreas 1 e 2, temos 19,2 hectares recuperados. A área 2 é mais fácil para trabalhar porque é bem mais baixa do que a área 1, tanto na maré alta como em meia maré a área fica toda irrigada. Então, não precisa abrir canais para fazer a irrigação. Basta a gente botar a cerca para conter o lixo e sair plantando. Toda a experiência e toda técnica nós já conquistamos dentro da área 1. A área 2 agora é mais fácil de se trabalhar.
Charles – Você nasceu aqui nessa região? Você sabe alguma coisa da história de Mauá, de Magé? O que você sabe dessa região aqui?
Adeimantos - Eu sou nascido e criado aqui. Muitas coisas da história eu não participei, mas no caso da minha avó, meus avós, meu avô, eles participaram na parte de saúde. Nós não tínhamos hospital em Magé e os moradores daqui, por serem pescadores e de uma classe baixa, não tinham condição de terem um veículo para poder levar para o hospital mais próximo. Então, as pessoas mais velhas daqui nasciam em Paquetá e os moradores levavam de barco as pessoas daqui para poderem nascer. Muitos nasceram dentro da Baía de Guanabara porque não dava tempo de chegar no hospital. Tem também, no caso, o Maracanã. Parte da areia do Maracanã saiu daqui da praia de Mauá para ser construído. A ponte Rio-Niterói, parte da areia saiu daqui de Mauá. Tem uma história para contar: Mauá tem a primeira ferrovia do Brasil. É aqui próximo. Não participei de quando a locomotiva funcionava, quando o trem passava ali, mas eu tenho o prazer de participar hoje porque eu, os meus filhos e todo mundo podemos cruzar essa linha de trem. Às vezes eu vou lá. Como ela para nas margens da Baía de Guanabara, dá para a gente pescar lá de cima. Tem o poço Bento, em Magé, as cachoeiras daqui da região e igrejas antigas.
Charles – Antes da poluição, como era isso aqui? Como você ouvia que era? Quando isso aqui ainda não tinha indústria... O que você ouve sobre isso?
Adeimantos - Antes da poluição, o que eu escuto falar dos pescadores mais antigos era que eles pescavam aqui e dava para pescar com um arpão na beira da praia. Dava para ver arraia na beira da praia. Você andava dois ou três para dentro da água e via arraia, cardume de robalos, camarão... Era uma fartura de camarão...vários peixes. Apanhava siri. Hoje a gente pesca tipo uçá lá para o fundo. Na época do meu pai mesmo e dos meus irmãos, que são mais velhos do que eu, chegou a pegar siri de rapina na beira da praia. Tem uma ilha aqui próxima e eles iam lá pegar peixe com pedras na mão. Hoje você não consegue fazer nada disso porque a poluição é tão grande... Eu tenho parentes, a maioria pescadores, que estão abandonando a pesca porque a poluição está muito grande na Baía. Antes de eu entrar para o projeto, quando eu pescava, o pescado que tinha aqui era um. A quantidade era muito grande. Depois do derramamento de óleo, eu vejo os pescadores chegarem na beira da praia, às vezes para pescar, e não pegam nada. Chego aqui na beira da praia, encosto o barco ali e você vai comprar um peixe e não tem. Quando não trazem o peixe cheio de óleo, já sujo e contaminado.
Charles – Qual é a importância de um projeto como esse que você participa?
Adeimantos - O projeto Mangue Vivo é importante aqui para a nossa comunidade porque a gente mora em uma região pesqueira. Então, o manguezal é um berçário marinho. Ele é responsável pela reprodução dos peixes, crustáceos, moluscos, aves, répteis, anfíbios... Um número muito grande da fauna, tanto a marinha como a terrestre, se reproduz dentro do mangue. Então, não só nós, seres humanos, mas todo o conjunto que vive no entorno do manguezal precisa dele. É de suma importância. Ainda mais para os pescadores daqui, que dependem e vivem da pesca. O pescado que eles pescam se reproduz dentro do mangue. Se você não tem mangue, não tem pescado. Se você não tem pescado, o pescador acaba entrando em extinção. O próprio pescador vai acabando.
Charles – Por que você acreditou que, trabalhando nesse trabalho, por que você acredita até hoje, o que te faz vir trabalhar, acordar e vir cuidar disso tudo aqui?
Adeimantos – Eu acredito no projeto porque, desde o início, que eu estou aqui, eu vi que era uma coisa que ia dar certo. Por isso que eu abracei o projeto e estou até hoje aqui. Todo trabalho que a gente faz é com amor, não só pelo projeto, mas pelo próximo também, porque a gente sabe que todos precisam disso aqui. A gente está trabalhando com o meio ambiente. A gente está vendo, hoje em dia, poluição muito grande, outros países que estão destruindo e acabando com as florestas, com tudo. A gente sabe que nós estamos fazendo a nossa parte. A gente está recuperando o meio ambiente. É satisfatório você ver um lugar que era um deserto, não tinha nada e chegar aqui e estar tudo reflorestado, bonito. Você acompanhar uma planta que você fez desde a semente e ela crescer, chegar na sua altura, passar e estar subindo e tomando conta de tudo. Daqui a pouco aquela árvore está te abraçando, de tão grande que está. É uma coisa que só vendo para poder relatar. A satisfação é muito grande. É como se a gente amasse o próximo.
Charles – Conta algumas histórias engraçadas, que você lembre, do projeto... O que tem de história boa?
Adeimantos – Tem uma que aconteceu comigo uma vez aqui. Eu estava andando, catando e separando o lixo todinho para levar lá para fora, aí, calhou de eu achar uma porta de avião. Eu achei uma porta de avião aqui, peguei e guardei a porta. Passados alguns dias, veio um pessoal de uma reportagem da Globo e me perguntou: “Vem cá, o que você achou de mais interessante aqui?” Aí eu falei: “Eu achei uma porta de avião”. Aí eles falaram: “Mas uma porta de avião?” Eu falei: “Foi. Achei no lixo uma porta de avião”. Três dias depois a força aérea estava na porta da minha casa para pegar a porta de avião. “É que sumiu um avião de lá e a gente não sabe o que aconteceu. Você achou uma porta e a gente quer ver se ela é do avião que sumiu”. Como é que vai sumir um avião do aeroporto? Aí eu falei: “Está guardado lá no projeto”. Eu até estava pensando... a porta é bonita, de um material especial, pensei de fazer uma porta para o canil do cachorro lá de casa. Mas, aí, não deu porque o pessoal da força aérea veio e pegou a porta. Eu entreguei para eles e eles levaram. Ficaram de manter contato depois, mas não falaram mais nada. Só vieram buscar essa porta mesmo.
Charles – E daqui para frente? O que você espera desse projeto, da sua região? O que você espera?
Adeimantos – Daqui para a frente, eu espero que esse projeto continue crescendo e dando certo, que as pessoas que estão no entorno venham nos visitar, apoiar e abraçar esse projeto porque tem tudo de bom. É um projeto maravilhoso e a gente está crescendo. Eu vejo... meu sobrinho, meu filho vem para cá, as escolas trazem os alunos... Eles chegam aqui e têm a ideia de que o mangue é fedido, é uma coisa suja, como se fosse o esgoto do Rio de Janeiro. Só que não é isso. É totalmente diferente. É uma das belezas e maravilhas que tem dentro do Rio, que poucos conhecem. Se a gente tem várias maravilhas, as praias do Rio, o Pão-de-Açúcar, o Cristo Redentor... poucos falam do mangue. Eu vejo com mais importância do que vários pontos turísticos dentro do Rio. Eu fico mais satisfeito quando eu vejo que as pessoas chegam aqui com aquela ideia de sujeira e saem daqui batendo palmas e aplaudindo porque veem o nosso trabalho que foi feito e a beleza que é o manguezal.
Charles – Por que você acha o mangue mais importante, às vezes, do que outros pontos turísticos?
Adeimantos – Não sei se é pelo tempo que eu tenho aqui, pelo convívio que eu tenho, pelo amor ao mangue, ao trabalho que eu faço ou pela importância que tem esse ecossistema ao lado dos outros. A gente vê que é um ecossistema... vem o marinho, vem o mangue, a caatinga, vai subindo até a mata atlântica e você vê que todos eles são um dependente do outro. Você saiu da Baía e, para ir para a mata atlântica, tem que passar pelo manguezal. Não tem como não passar. É de suma importância.
Charles – Fala um pouquinho, para quem está na cidade e não tem essa noção de ecologia, por que é tão importante esse ecossistema... Por que isso é importante para quem está, de repente, agora, sentado em um escritório lá no Centro do Rio e não sabe que está sendo beneficiado com isso?
Adeimantos – O manguezal é importante... eu tiro por mim. Eu trabalho dentro do manguezal esse período todo e aqui me sinto bem, estou à vontade. Quando eu saio daqui e vou lá para o Centro da cidade eu me sinto sufocado. É tanto gás carbônico, carros emitindo fumaça daqui e dali, pessoas fumando por onde você passa, jogando lixo... A poluição é tão grande que eu não sei como as pessoas conseguem se sentir bem no meio de uma floresta de pedras, enquanto a gente está aqui, em um ambiente como esse, no meio de uma floresta de folhas, de verde... Tudo aqui é bom. É um conjunto que, só estando aqui para poder sentir o que a gente sente, esse ar puro. O mangue é como se fosse uma troca: a gente refloresta, gera oxigênio e eles que estão na floresta de pedra estão gerando gás carbônico. A gente faz uma troca com eles. Eles mandam gás carbônico para a gente e a gente manda oxigênio para eles. Só que ninguém quer saber disso. Só pensam no dinheiro, no trabalho e esquecem do meio ambiente. Até mesmo pelos nossos governamentais. O governo investe muito pouco em meio ambiente. Eu tiro pelo município onde eu moro, aqui em Magé, que já passou por quatro gestões dentro da secretaria de meio ambiente. Eu trabalho há doze anos. Desde 2001 nós estamos aqui e a prefeitura nunca ajudou a gente em nada. Os governamentais nunca ajudaram. E é um trabalho que gera um benefício para a humanidade. Você está trabalhando com o meio ambiente e não gera prejuízo nenhum para ninguém, só benefícios.
Charles – O que o projeto Mangue Vivo acrescentou na sua vida?
Adeimantos – Acrescentou uma outra filosofia de vida. Hoje, por onde eu passo, eu procuro deixar rastros. Eu deixo um caminho por onde as pessoas possam seguir. Eu digo isso porque a gente está fazendo um trabalho, reflorestando, recuperando e mostrando para as pessoas que a gente é capaz e que eles são capazes. Não precisa dar muito tempo. Só em vir conhecer esse projeto aqui eles já vão saber do que eu estou falando. Que eles venham aqui e plantem uma, duas ou três. Não precisa ser diretamente dentro do mangue. Pode ser no quintal deles, em uma mata onde eles acharem que está careca, pelada. Vamos reflorestar. Vamos recuperar o meio ambiente. Vamos trabalhar em prol da vida.
O projeto de estruturação do mangue de Magé, após o acidente de derramamento de petróleo na Baía de Guanabara
ENTREVISTA ROGÉRIO ROCCO
Charles– O que é o projeto Mangue Vivo?
Rogério - O projeto é originado de um arranjo político institucional construído a partir do vazamento de petróleo da Petrobrás, que aconteceu em um duto que liga a Reduc ao terminal da Ilha D’água, em janeiro de 2000, e que teve uma grande repercussão internacional, pela dimensão, resultados, de atingir praias e mangues, de atingir espécies das mais variadas, áreas de pescadores... Enfim, foi um acidente com grande repercussão, com dano bastante significativo e que acabou resultando em um conjunto de arranjos atípicos dentro do procedimento padrão. O projeto é originário de um convênio firmado com o Ibama, que investiu parte significativa da multa de 35 milhões aplicada a Petrobrás na própria Baía de Guanabara. Então, foi um processo construído com os municípios, que escolheram fazer o maior investimento, com esses recursos da multa, nos sistemas de destino final adequado dos resíduos sólidos, um dos grandes problemas da Baía de Guanabara. Em paralelo, alguns outros projetos foram firmados, entre eles o projeto com a Fundação Onda Azul, para recuperação de áreas de manguezal, principalmente as afetadas, mas não só elas, na Baía de Guanabara. Então, o projeto surge com essa proposta de recuperação de manguezais, mas se constitui em um modelo interessante porque constitui um consórcio chamado Baía Azul também. Esse consórcio de ONGs vislumbrou a participação de outras organizações em outros processos. A gente teve recuperação de manguezal além dessa área, que era a principal. O maior percentual de investimento estava concentrado nessa área de Magé, mas havia também iniciativas de recuperação de mangues em São Gonçalo, Niterói e havia previsão para o Rio de Janeiro, mas no Rio acabou não acontecendo. Ia ser na ilha do Fundão. Em Niterói aconteceu na lagoa de Itaipu. Em São Gonçalo aconteceu, no entorno do aterro de... esqueci o nome. Teve trabalhos também de mobilização social, desenvolvidos pela ONG Roda Viva, em Itambi, em Magé...Então, o projeto foi resultado desse acidente, desse arranjo político e ele, por si só, constituiu um novo arranjo político envolvendo outras organizações e um conjunto de ações que visavam trabalhar a implementação de manguezal com processos de mobilização social.
Charles – Quando vocês chegaram lá para implantar o projeto, como estava a região? O que vocês encontraram?
Rogério - Aquela região de Magé é uma região com um histórico de degradação de muito tempo. Por ser uma área de fundo de Baía, sempre sofreu o impacto do lixo flutuante que, na maré alta, acaba sendo carreado para essa região e acumulado nas praias. Também é uma área afetada pelo processo de carreamento de materiais dos rios que descem na região serrana, Petrópolis, especialmente. Quando tem alguma coisa em Petrópolis, os rios de lá trazem resíduos, rejeitos e carreiam material para aquela área da Baía de Guanabara. Esses dois efeitos já, cotidianamente, afetavam a área. Com o acidente, acumulou também uma camada significativa de óleo nessa região e afetou bastante. O projeto, quando chegou, procurou reunir alguns atores e construiu alguns resultados que a gente consegue detectar em algumas dessas iniciativas, como o fato de gerar e absorver mão-de-obra local, que gera um resultado de conscientização, que é importante e constrói mudanças de valores. Foi bacana de encontrar lá pescadores muito desconfiados com esses processos todos, muito afetados negativamente pela contaminação da Baía de Guanabara e que começaram a enxergar no projeto uma oportunidade não só de ter a sua região recuperada, mas também de ter uma oportunidade de trabalhar diretamente nessa recuperação, o que faz o resultado mais consolidado porque as pessoas se apropriam desse resultado positivo. Quando a gente chegou lá, encontrou um ambiente de muita desconfiança, incerteza com essas questões de uma forma geral e conseguimos reunir ali um grupo expressivo de pescadores, de catadores de caranguejo, que foram absorvidos pelo projeto. Em um primeiro momento, gerou-se bastante oportunidade de trabalho. Depois, com o tempo, diminuiu um pouco, mas eu vejo que, entre a chegada e o meio do processo, as transformações que nós sentimos na vida dessas pessoas e nas relações comunitárias foram bastante interessantes, inclusive do ponto de vista econômico. Essa microeconomia que o projeto levou para a região se difundiu, fortalecendo algumas economias locais. O pessoal começou a ter algum incremento em suas atividades comerciais locais em razão do projeto. Enfim, a gente viu com essa experiência, que é micro e muito localizada, que esse tipo de ação de fato movimenta a economia local. Tem resultados ecológicos e econômicos. Isso foi também sentido e acho que é um resultado interessante.
Charles – Eu queria te pedir para você me explicar e contar basicamente o que foi feito no início do projeto, tecnicamente...
Rogério – Bom, foi escolhido o local de intervenção, que é uma área muito grande. Então, em um primeiro momento houve um dimensionamento exagerado da área. A gente achou que podia dar conta de uma área muito grande de intervenção e, na identificação da área, que é, de fato, muito grande e não foi toda absorvida, ela foi subdividida em quatro subáreas, se não me engano. Começamos a trabalhar em uma das subáreas, que já é, apesar de ser uma subárea dessa área todas, uma área grande e bastante expressiva. A primeira estratégia foi desenhada pelo Mário Moscatelli, que foi o profissional responsável pela condução do reflorestamento. Ele identificou um alto grau de salinidade no solo, o que dificultaria a recuperação da área. Ele vislubrou a construção de canais para maior circulação e manutenção de água na área para diminuir um pouco a salinidade e promover o plantio nas margens desses canais. Foi uma intervenção manual muito grande porque não tinha como entrar maquinário na área por causa da fragilidade do solo, porque ele afunda, é frágil e não tem solidez. Então, foi um trabalho manual de tirar terra e abrir canais. Abriu-se uma quantidade muito grande de canais. Não sei quantos quilômetros. Talvez tenha esse registro em algum documento do projeto, mas abriu-se muitos canais. Só essa atividade já gerou muita mão-de-obra. Em paralelo, iniciou-se uma tentativa de construção de viveiros, produção de mudas, mas isso não foi a prioridade porque aí começou a se fazer transplante de mudas de algumas áreas para lá. No processo de abertura de canais se descobriu uma questão: que o solo estava muito carregado de lixo enterrado. Havia muita presença de materiais dos mais variados, inclusive muito plástico, o que abafa o solo e não permite o desenvolvimento da muda. Percebeu-se que ali deveria ter uma intervenção maior ainda, de abertura de canais do solo, para tirar o lixo enterrado. Em um segundo momento, quando se iniciou o processo de plantio, foi detectado um outro efeito natural, que era prejudicial para o plantio, que era a chegada, em toda maré cheia, de uma quantidade muito grande de lixo flutuante, que todos os dias chegaram. Esse lixo soterrava as mudas já plantadas. Aí, a gente perdeu uma carga de mudas por causa disso. Então, teve que parar o plantio de mudas, construir uma cerca e fazer uma barragem física que se estendeu ali. Eu também não lembro direito o tamanho, mas acho que foi 1,5 km de cerca para proteger a área de plantio contra a entrada do lixo. A gente ali descobriu que ia ter que fazer outra dinâmica que, além de barrar o lixo, tinha que ter o trabalho diário de recolhimento desse lixo porque ele vinha com a maré cheia e entrava em toda área do terreno. Com a construção da barreira, ele ficava retido, mas se você não tirasse diariamente, no dia seguinte, com o acúmulo de nova carga de lixo, derrubava-se parte da cerca, pelo próprio efeito da maré. Aí , acabava entrando lixo novamente. Então, tinha que ter um trabalho de recolhimento diário do lixo acumulado na cerca. Essas descobertas foram ajudando a desenvolver o projeto, mas, por outro lado, também atrasavam o cronograma porque não estavam previstas, não estavam no planejamento. Foram questões que foram sendo descobertas com o tempo. No início, essas descobertas foram criando a necessidade de rever o projeto, revisar os prazos, reestruturar e contratar mais mão-de-obra...o início do projeto foi um pouco turbulento por causa disso.
Charles – Como é que foi a relação, digamos assim, com as autoridades e com as pessoas em volta? Houve descrença? Nesse período do projeto, as pessoas acreditavam que isso ia funcionar?
Rogério - Eu penso que as pessoas lá da região estavam aguardando alguma medida, resultado, compensação pelos danos que a comunidade sofreu, que a atividade de pesca sofreu. Muitos pescadores entraram na justiça contra a Petrobrás e muita gente ficou esperando alguma mudança. O projeto chegou em um momento que havia expectativa das pessoas com relação ao que pudesse vir a acontecer. Eu imagino que essa expectativa tivesse também um grau de desconfiança: se o projeto chegaria lá, faria algumas pequenas intervenções e iria embora... Então, eu acho que, como em qualquer outro lugar, há esse tipo de desconfiança para saber se as coisas vão acontecer mesmo, se vão beneficiar a comunidade ou se só vai chegar gente de fora e fazer qualquer coisas e ir embora... Com relação às autoridades municipais, havia uma dificuldade muito grande, porque a gestão pública de Magé sempre foi muito esquisita. As prefeituras, aquela família Cozzolino... Então, a relação com o município não era das melhores. As relações com a comunidade foram se constituindo com o tempo. É um processo você ganhar a confiança, consolidar um trabalho social, leva tempo. Esse processo não foi simples, mas, pela dimensão do projeto, a gente teve um momento lá, que eu acho que tinha cerca de 40 pessoas trabalhando no projeto, só ali naquela área, e a Roda Viva ainda fez outros trabalhos ali em Magé, em Itambi, de mobilização das comunidades, com foco no gênero e trabalhando mais com mulheres. Então, de autoridades, o projeto caminhou sem muita articulação com a prefeitura ou com o estado. Havia a relação com o Ibama porque ele era o financiador. Havia alguns contatos pontuais com algumas autoridades, mas o projeto se consolidou mesmo dentro do esforço técnico e social que foi feito pelas organizações. A condução do consórcio de ONGs foi, também, difícil e trabalhosa. Não é simples você envolver várias organizações com papéis distintos no projeto. É evidente que, por mais que tivesse organizações envolvidas, elas olhavam para a Onda Azul como condutor do projeto. A Onda Azul tinha a maior parte das intervenções. O maior volume de recursos estava com a Onda Azul. Isso cria eventuais desconfortos. Então, não foi um processo sem conflitos, pelo contrário, muitos conflitos, muito esforço para que eles fossem conduzidos da melhor forma possível, e, para isso, o esforço da gestão política foi muito grande. Então, juntou a política, a técnica, a questão social, mas eu vi algumas questões lá que podem ser caracterizadas como resultado do projeto e que me deixaram muito animado de ver algumas coisas. Lá em Itambi, com esse trabalho do Roda Viva, eu conversei com mulheres que não tinham quase contato social nenhum, que eram oprimidas por seus maridos, que tinham uma vida muito limitada e que começaram a participar de reuniões da comunidade, nas quais faziam algumas atividades manuais, artesanato, reciclagem, transformação de alguns objetos em processo de reaproveitamento, transformação de materiais em artesanato, e que, por essas simples iniciativas, tiveram suas vidas sociais ampliadas, passaram a ter contato com outras pessoas e passaram a olhar a sua microexistência em uma outra perspectiva. Para muita gente que participou do projeto, foi uma oportunidade de transformação dos seus olhares para o mundo. Isso eu julgo como muito importante. Mesmo no pessoal que trabalhou lá no reflorestamento, alguns catadores, que puderam ter no projeto um meio de sustento, em substituição a sua vida de pescador e catador de caranguejo, também significou um processo de transformação muito grande. Então, as conjunturas políticas, a meu ver, são da micropolítica e são resultados de transformações de vidas, que talvez a gente consiga enumerar pontualmente. Não são grandes transformações no mundo, mas são microtransformações, que, eu acho, que mudaram o mundo dessas pessoas e suas microrelações sociais onde o projeto teve atuação, tanto em Magé quanto em Itambi, em São Gonçalo, Niterói, eu vejo que promoveram transformações importantes.
Charles – Você lembra de alguns episódios? O que te surpreendeu positivamente e negativamente durante o tempo que você estava por lá? Tem alguma coisa que te marcou, tanto para o lado positivo quanto para o negativo?
Rogério - Algumas coisas me surpreenderam. Uma delas foi a questão do lixo. Eu sempre atuei com Baía de Guanabara, de muitos anos mesmo. Eu me envolvi com lutas em defesa da Baía e tinha acesso a dados dos mais variados sobre os impactos, as atividades degradantes e sempre soube que o lixo era um dos grandes problemas, mas eu não tinha uma ideia de como esse problema operava. Então me surpreendeu a quantidade de lixo flutuante que chegava diariamente na região. Não só a quantidade, mas o tipo de lixo e a variedade. Era muito curioso a quantidade de calçados que chegava lá, os mais variados: sapatos, tênis, sandálias, chinelos, aos montes, dezenas, todos os dias. Alguns lixos grandes: sofás, pedaços de estruturas, de eletrodomésticos, a quantidade de tubos de televisão... para mim também era bastante curioso...quantos tubos de televisão, aquelas antigas... que agora é tudo tela plana... mas aquelas tevês antigas que tinham aqueles tubos... chegavam vários desses boiando. Uma coisa que surpreendeu foi um tênis que chegou com um pé dentro, um morteiro bomba mesmo, não é morteiro desses de artifício, que chegou lá e a gente teve que chamar o exército para retirar. Uma ocasião em que chegaram dois cadáveres algemados. Enfim, é uma enormidade de lixo que chega lá e com essas curiosidades. É assustador ver um tênis... eu não vi, mas a gente tinha os relatos. Um tênis com um pé de criança dentro. Enfim, isso aí me surpreendeu. Outra coisa que surpreendeu também foi a própria intervenção física que o Moscatelli planejou, da construção de canais. Foram quilômetros de canais. A gente fez uma intervenção que você, do avião, via a dimensão dos canais. A abertura dos canais foi um trabalho muito intenso, duradouro e que se tinha essa desconfiança se o resultado dele seria positivo ou não. Demorou para ter resultado. Eu me lembro dos técnicos do Ibama indo fazer vistoria e eles, também impressionados com a quantidade de canais, duvidosos se teriam resultado positivo e acabou tendo. O que mais me surpreendeu? Eu sou advogado e atuo na área ambiental há muito tempo, mas me surpreendeu um pouco a dificuldade de recuperação de uma área dessas. O esforço que se tem que fazer e o embate diário com as alterações que a própria natureza promove. A maré cheia trazendo lixo, depois as chuvas fortes que aconteceram, em uma ocasião, em Petrópolis, que carrearam muita terra para lá, meio que enterrando parte dos canais, soterrando mudas, e a incapacidade política de dimensionar essas variáveis ambientais em um convênio, em um projeto que tenha um plano de trabalho e que o poder público é, muitas vezes, insensível a essas dimensões porque ele tem que se planejar. Então, tem lá um convênio, um plano de trabalho, que tem que ser cumprido dentro dos prazos ou a mudança de prazos tem que ser justificadas. Isso acabou se tornando um grande dificultador porque a incapacidade de compreender essa dinâmica natural e a necessidade de transformação do projeto acabou criando um problema sério de administração do projeto. A questão técnica com a política, a administrativa, tentando, de alguma forma, se adequar às nuances da própria organização da natureza são fatores que constroem divergências e que acabam criando imbróglios jurídicos e administrativos difíceis de superar. Então, isso me surpreendia também. O esforço que a gente tinha que fazer para readaptar o projeto, reorganizar as intervenções e a dificuldade disso ser operado no âmbito do processo administrativo e do financiamento público. Foram fatores que também me surpreenderam ao longo do projeto, mas, por outro lado, depois de eu ter saído, o que me surpreendeu positivamente foi vê-lo chegar a um resultado positivo porque quando você começa a vivenciar essa quantidade de dificuldades, a dimensão que ganham quando você joga essas questões para resultados materiais dentro de um processo administrativo, isso, às vezes, dava um desânimo, de falar: “Poxa, será que isso vai gerar um resultado positivo?” Ver o resultado positivo depois foi, para mim, uma surpresa porque eu fiquei pouco tempo, dois anos no projeto. Ele iniciou em 2001 e, portanto, estamos em 2013, tem 12 anos. Desses 12, eu participei de dois, mas eu sei que os anos em que eu participei foram fundamentais porque foi o período inicial. A partir dele é que o restante dos resultados poderiam ou não se constituir. Então, ver o resultado positivo tempos depois, para mim, foi uma surpresa bastante importante.
Charles – Qual é a importância de um projeto como esse do Mangue Vivo em todos os níveis: municipal, estadual, nacional e mundial?
Rogério - Ele tem uma importância grande de ser um projeto de recuperação ambiental. Essa é a grande importância dele. Você recuperar uma área degradada é muito importante e dimensionar isso é um esforço que pode ser carregado com a subjetividade do intérprete. A meu ver, ele tem importância em graus distintos. No âmbito local, eu acho que a maior importância é, exatamente, o reflexo local. Você conseguir que a intervenção física, de alguma forma, traga resultados para as comunidades que vivem ali. A meu ver, é a dimensão mais visível da sua importância: a mudança nas microrrelações políticas e econômicas locais, de você conseguir aquecer uma economia local com um projeto ecológico, de você conseguir absorver mão-de-obra, que, muitas vezes, depende do meio ambiente, mas, às vezes, não tem essa consciência da importância ambiental. Sabe que precisa, vive daquilo, mas, eventualmente, não teve a oportunidade de construir essa consciência de forma coletiva. Eu acho que o projeto viabilizou um pouco essa oportunidade dos moradores da região vivenciarem em processos técnicos e políticos que lhes inseriram em uma reflexão. Então, as pessoas se engrandeceram, aprenderam um pouco mais dos processos e, portanto, transformaram-se em multiplicadores de uma consciência ecológica. Eu acho que esse resultado é fundamental e se consolida ao longo dos tempos. As pessoas que passaram pelo projeto, de alguma forma, conseguiram absorver um pouco mais de conhecimento, responsabilidade e são transmissoras disso para outros atores da comunidade e para seus sucessores, suas famílias, filhos, etc. A recuperação do manguezal, ao longo do tempo, traz resultados positivos para o meio ambiente porque reconstitui um ecossistema que é fundamental e é considerado um berçário marinho. Então, traz consequências positivas ao longo do tempo. A Baía de Guanabara, se mantém seus ecossistemas e atividades econômicas como a pesca, mesmo diante de uma quantidade muito grande de agressões que recebe diariamente, se ainda mantém essa vivacidade é por causa da existência dos remanescentes de manguezais da Baía de Guanabara, que não estão ali naquela região de intervenção do projeto. Aquela região já foi muito degradada, mas está na outra vertente do município de Magé, pegando Magé, Itaboraí, Guapimirim e parte de São Gonçalo, em um grande remanescente de manguezais que está protegido em razão de movimentos na década de 80, que conseguiram consolidar a criação da APA Guapimirim, a área de proteção ambiental de Guapimirim e, mais recentemente, a estação ecológica da Guanabara, que são unidades de conservação que protegeram esses manguezais. Então, ali a área está degradada. O processo envolve a recuperação ambiental da área e, como resultado, a criação do parque municipal e, portanto, a consolidação de uma unidade de conservação nessa região que vai servir, não só para uma contribuição ecológica macro, mais um fragmento de manguezal que reaparece na região, mas como parque municipal, que tem também a virtude de, como área de uso público, atrair escolas, visitantes, para conhecerem o manguezal. As pessoas protegem e valorizam aquilo que conhecem. Então, o projeto está criando uma oportunidade, que ainda será consolidada, de, através do parque municipal e do uso público futuro que essa área pode vir a ter por uma gestão com o município, de fortalecer os valores do manguezal através do conhecimento e da visitação. Eu vejo esses resultados como relevantes.
Charles – Você se lembra do primeiro dia em que você pisou nessa região? Você lembra como foi?
Rogério - Mais ou menos. Minha memória, pelo distanciamento do tempo que eu já deixei de ir à área, se mistura com fatos e acontecimentos que se deram ao longo do projeto. Ali, eu tenho uma memória também de infância porque o meu avô tinha uma casa na praia de Mauá e eu ia para lá quando era criança. Eu vivia correndo por aquelas praias. Eu me recordo da imagem do lodo e dos caranguejos. Eu pegava a bicicleta e rodava boa parte dali da região. Então, quando eu cheguei lá, no primeiro dia, fui revivendo um pouco da minha infância, do meu contato com aquela região, com os caranguejos, com aquela praia, que é suja, de mangue e que não é uma praia que seja boa para se banhar, que tem outras características. Então, eu misturo um pouco essa minha chegada lá com as memórias de infância, mas, de fato, eu não tenho uma memória do primeiro dia que eu cheguei. A memória está meio embaçada com os vários acontecimentos.
Charles – Eu queria terminar te perguntando o que representa na sua vida ter participado desse projeto?
Rogério - Para mim, tem uma representação muito importante porque, como advogado ou como militante da causa ecológica, eu sempre atuei na construção de políticas públicas através da norma jurídica ou dos processos políticos e administrativos. Eu não tenho uma formação de biólogo ou de engenheiro florestal. Então, eu nunca tive uma atuação marcante na materialização de processos ecológicos. Eu sempre estive mais no outro lado do balcão. Então, para mim, esse projeto foi a oportunidade de ter contato direto com o processo de recuperação de áreas degradadas, de transformação de um ambiente degradado. Para mim, esse projeto significou um aprendizado muito importante nos aspectos técnico, social e também político porque era uma construção cotidiana. A gestão das organizações, do consórcio Baía Viva... mas, a oportunidade de vencer as dificuldades de recuperação de uma área degradada, para mim, foi o melhor aprendizado. Foi uma oportunidade fantástica e me fez um ser humano melhor. Contribuiu muito na minha visão de mundo, de vida... o contato com os pescadores, com os catadores de caranguejo e o conhecimento da sua dura realidade foi, para mim, um grande aprendizado. Carrego comigo uma imagem muito bacana, que me orgulha e me estimula hoje, como servidor público da área ambiental. Hoje eu sou analista ambiental do Instituto Chico Mendes, de conservação da biodiversidade, que é o gestor da APA de Guapemirim e da estação ecológica Guanabara. Hoje, quando eu vou nessas áreas, quando levo meus alunos, que eu sou professor de direito ambiental e já levei alunos para visitar os manguezais lá de Guapemirim, quando eu vou a uma área dessas, quando eu participo de algum processo que envolva pescadores, catadores de caranguejos, essa classe social tão abandonada e esquecida pelas políticas públicas, eu carrego essa história e os conhecimentos que eu adquiri com o projeto em qualquer intervenção, decisão ou participação que eu tenha nesses processos. Eu trago um pouco dessa experiência do Mangue Vivo, portanto, ele, para mim, foi um projeto importante porque me ajudou a conhecer mais a dura realidade da degradação ambiental, as dificuldades de recuperação de uma área degradada, as dificuldades da vida dessa parcela da população que vive da natureza, que necessita dela, não só para a manutenção dos seus meios de vida, mas para os modos mesmo, sua cultura e valores estão constituídos dentro de paradigmas que são distintos dos nossos, como cidadãos urbanos: gente que cresce dentro de prédios, cercados de cimento e recebem os benefícios da natureza já processados. A gente não enxerga essas dificuldades porque as coisas já chegam prontas para a gente. Então, ter vivenciado essa dificuldade, para mim, teve um resultado muito positivo porque, de fato, eu sou um ser humano melhor depois de ter participado do projeto Mangue Vivo.
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