domingo, 29 de setembro de 2013

O projeto de estruturação do mangue de Magé, após o acidente de derramamento de petróleo na Baía de Guanabara


ENTREVISTA ROGÉRIO ROCCO
Charles– O que é o projeto Mangue Vivo?
Rogério -  O projeto é originado de um arranjo político institucional construído a partir do vazamento de petróleo da Petrobrás, que aconteceu em um duto que liga a Reduc ao terminal da Ilha D’água, em janeiro de 2000, e que teve uma grande repercussão internacional, pela dimensão, resultados, de atingir praias e mangues, de atingir espécies das mais variadas, áreas de pescadores... Enfim, foi um acidente com grande repercussão, com dano bastante significativo e que acabou resultando em um conjunto de arranjos atípicos dentro do procedimento padrão. O projeto é originário de um convênio firmado com o Ibama, que investiu parte significativa da multa de 35 milhões aplicada a Petrobrás na própria Baía de Guanabara. Então, foi um processo construído com os municípios, que escolheram fazer o maior investimento, com esses recursos da multa, nos sistemas de destino final adequado dos resíduos sólidos, um dos grandes problemas da Baía de Guanabara. Em paralelo, alguns outros projetos foram firmados, entre eles o projeto com a Fundação Onda Azul, para recuperação de áreas de manguezal, principalmente as afetadas, mas não só elas, na Baía de Guanabara. Então, o projeto surge com essa proposta de recuperação de manguezais, mas se constitui  em um modelo interessante porque constitui um consórcio chamado Baía Azul também. Esse consórcio de ONGs vislumbrou a participação de outras organizações em outros processos. A gente teve recuperação de manguezal além dessa área, que era a principal. O maior percentual de investimento estava concentrado nessa área de Magé, mas havia também iniciativas de recuperação de mangues em São Gonçalo, Niterói e havia previsão para o Rio de Janeiro, mas no Rio acabou não acontecendo. Ia ser na ilha do Fundão. Em Niterói aconteceu na lagoa de Itaipu. Em São Gonçalo aconteceu, no entorno do aterro de... esqueci o nome. Teve trabalhos também de mobilização social, desenvolvidos pela ONG Roda Viva, em Itambi, em Magé...Então, o projeto foi resultado desse acidente, desse arranjo político e ele, por si só, constituiu um novo arranjo político envolvendo outras organizações e um conjunto de ações que visavam trabalhar a implementação de manguezal com processos de mobilização social.
Charles – Quando vocês chegaram lá para implantar o projeto, como estava a região? O que vocês encontraram? 
Rogério -  Aquela região de Magé é uma região com um histórico de degradação de muito tempo. Por ser uma área de fundo de Baía, sempre sofreu o impacto do lixo flutuante que, na maré alta, acaba sendo carreado para essa região e acumulado nas praias. Também é uma área afetada pelo processo de carreamento de materiais dos rios que descem na região serrana, Petrópolis, especialmente. Quando tem alguma coisa em Petrópolis, os rios de lá trazem resíduos, rejeitos e carreiam material para aquela área da Baía de Guanabara. Esses dois efeitos já, cotidianamente, afetavam a área. Com o acidente, acumulou também uma camada significativa de óleo nessa região e afetou bastante. O projeto, quando chegou, procurou reunir alguns atores e construiu alguns resultados que a gente consegue detectar em algumas dessas iniciativas, como o fato de gerar e absorver mão-de-obra local, que gera um resultado de conscientização, que é importante e constrói mudanças de valores. Foi bacana de encontrar lá pescadores muito desconfiados com esses processos todos, muito afetados negativamente pela contaminação da Baía de Guanabara e que começaram a enxergar no projeto uma oportunidade não só de ter a sua região recuperada, mas também de ter uma oportunidade de trabalhar diretamente nessa recuperação, o que faz o resultado mais consolidado porque as pessoas se apropriam desse resultado positivo. Quando a gente chegou lá, encontrou um ambiente de muita desconfiança, incerteza com essas questões de uma forma geral e conseguimos reunir ali um grupo expressivo de pescadores, de catadores de caranguejo, que foram absorvidos pelo projeto. Em um primeiro momento, gerou-se bastante oportunidade de trabalho. Depois, com o tempo, diminuiu um pouco, mas eu vejo que, entre a chegada e o meio do processo, as transformações que nós sentimos na vida dessas pessoas e nas relações comunitárias foram bastante interessantes, inclusive do ponto de vista econômico. Essa microeconomia que o projeto levou para a região se difundiu, fortalecendo algumas economias locais. O pessoal começou a ter algum incremento em suas atividades comerciais locais em razão do projeto. Enfim, a gente viu com essa experiência, que é micro e muito localizada, que esse tipo de ação de fato movimenta a economia local. Tem resultados ecológicos e econômicos. Isso foi também sentido e acho que é um resultado interessante. 
Charles  – Eu queria te pedir para você me explicar e contar basicamente o que foi feito no início do projeto, tecnicamente...
Rogério – Bom, foi escolhido o local de intervenção, que é uma área muito grande. Então, em um primeiro momento houve um dimensionamento exagerado da área. A gente achou que podia dar conta de uma área muito grande de intervenção e, na identificação da área, que é, de fato, muito grande e não foi toda absorvida, ela foi subdividida em quatro subáreas, se não me engano. Começamos a trabalhar em uma das subáreas, que já é, apesar de ser uma subárea dessa área todas, uma área grande e bastante expressiva. A primeira estratégia foi desenhada pelo Mário Moscatelli, que foi o profissional responsável pela condução do reflorestamento. Ele identificou um alto grau de salinidade no solo, o que dificultaria a recuperação da área. Ele vislubrou a construção de canais para maior circulação e manutenção de água na área para diminuir um pouco a salinidade e promover o plantio nas margens desses canais. Foi uma intervenção manual muito grande porque não tinha como entrar maquinário na área por causa da fragilidade do solo, porque ele afunda, é frágil e não tem solidez. Então, foi um trabalho manual de tirar terra e abrir canais. Abriu-se uma quantidade muito grande de canais. Não sei quantos quilômetros. Talvez tenha esse registro em algum documento do projeto, mas abriu-se muitos canais. Só essa atividade já gerou muita mão-de-obra. Em paralelo, iniciou-se uma tentativa de construção de viveiros, produção de mudas, mas isso não foi a prioridade porque aí começou a se fazer transplante de mudas de algumas áreas para lá. No processo de abertura de canais se descobriu uma questão: que o solo estava muito carregado de lixo enterrado. Havia muita presença de materiais dos mais variados, inclusive muito plástico, o que abafa o solo e não permite o desenvolvimento da muda. Percebeu-se que ali deveria ter uma intervenção maior ainda, de abertura de canais do solo, para tirar o lixo enterrado. Em um segundo momento, quando se iniciou o processo de plantio, foi detectado um outro efeito natural, que era prejudicial para o plantio, que era a chegada, em toda maré cheia, de uma quantidade muito grande de lixo flutuante, que todos os dias chegaram. Esse lixo soterrava as mudas já plantadas. Aí, a gente perdeu uma carga de mudas por causa disso. Então, teve que parar o plantio de mudas, construir uma cerca e fazer uma barragem física que se estendeu ali. Eu também não lembro direito o tamanho, mas acho que foi 1,5 km de cerca para proteger a área de plantio contra a entrada do lixo.  A gente ali descobriu que ia ter que fazer outra dinâmica que, além de barrar o lixo, tinha que ter o trabalho diário de recolhimento desse lixo porque ele vinha com a maré cheia e entrava em toda área do terreno. Com a construção da barreira, ele ficava retido, mas se você não tirasse diariamente, no dia seguinte, com o acúmulo de nova carga de lixo, derrubava-se parte da cerca, pelo próprio efeito da maré. Aí , acabava entrando lixo novamente. Então, tinha que ter um trabalho de recolhimento diário do lixo acumulado na cerca. Essas descobertas foram ajudando a desenvolver o projeto, mas, por outro lado, também atrasavam o cronograma porque não estavam previstas, não estavam no planejamento. Foram questões que foram sendo descobertas com o tempo. No início, essas descobertas foram criando a necessidade de rever o projeto, revisar os prazos, reestruturar e contratar mais mão-de-obra...o início do projeto foi um pouco turbulento por causa disso. 

Charles – Como é que foi a relação, digamos assim, com as autoridades e com as pessoas em volta? Houve descrença? Nesse período do projeto, as pessoas acreditavam que isso ia funcionar? 
Rogério -  Eu penso que as pessoas lá da região estavam aguardando alguma medida, resultado, compensação pelos danos que a comunidade sofreu, que a atividade de pesca sofreu. Muitos pescadores entraram na justiça contra a Petrobrás e muita gente ficou esperando alguma mudança. O projeto chegou em um momento que havia expectativa das pessoas com relação ao que pudesse vir a acontecer. Eu imagino que essa expectativa tivesse também um grau de desconfiança: se o projeto chegaria lá, faria algumas pequenas intervenções e iria embora... Então, eu acho que, como em qualquer outro lugar, há esse tipo de desconfiança para saber se as coisas vão acontecer mesmo, se vão beneficiar a comunidade ou se só vai chegar gente de fora e fazer qualquer coisas e ir embora... Com relação às autoridades municipais, havia uma dificuldade muito grande, porque a gestão pública de Magé sempre foi muito esquisita. As prefeituras, aquela família Cozzolino... Então, a relação com o município não era das melhores. As relações com a comunidade foram se constituindo com o tempo. É um processo você ganhar a confiança, consolidar um trabalho social, leva tempo. Esse processo não foi simples, mas, pela dimensão do projeto, a gente teve um momento lá, que eu acho que tinha cerca de 40 pessoas trabalhando no projeto, só ali naquela área, e a Roda Viva ainda fez outros trabalhos ali em Magé, em Itambi, de mobilização das comunidades, com foco no gênero e trabalhando mais com mulheres. Então, de autoridades, o projeto caminhou sem muita articulação com a prefeitura ou com o estado. Havia a relação com o Ibama porque ele era o financiador. Havia alguns contatos pontuais com algumas autoridades, mas o projeto se consolidou mesmo dentro do esforço técnico e social que foi feito pelas organizações. A condução do consórcio de ONGs foi, também, difícil e trabalhosa. Não é simples você envolver várias organizações com papéis distintos no projeto. É evidente que, por mais que tivesse organizações envolvidas, elas olhavam para a Onda Azul como condutor do projeto. A Onda Azul tinha a maior parte das intervenções. O maior volume de recursos estava com a Onda Azul. Isso cria eventuais desconfortos. Então, não foi um processo sem conflitos, pelo contrário, muitos conflitos, muito esforço para que eles fossem conduzidos da melhor forma possível, e, para isso, o esforço da gestão política foi muito grande. Então, juntou a política, a técnica, a questão social, mas eu vi algumas questões lá que podem ser caracterizadas como resultado do projeto e que me deixaram muito animado de ver algumas coisas. Lá em Itambi, com esse trabalho do Roda Viva, eu conversei com mulheres que não tinham quase contato social nenhum, que eram oprimidas por seus maridos, que tinham uma vida muito limitada e que começaram a participar de reuniões da comunidade, nas quais faziam algumas atividades manuais, artesanato, reciclagem, transformação de alguns objetos em processo de reaproveitamento, transformação de materiais em artesanato, e que, por essas simples iniciativas, tiveram suas vidas sociais ampliadas, passaram a ter contato com outras pessoas e passaram a olhar a sua microexistência em uma outra perspectiva. Para muita gente que participou do projeto, foi uma oportunidade de transformação dos seus olhares para o mundo. Isso eu julgo como muito importante. Mesmo no pessoal que trabalhou lá no reflorestamento, alguns catadores, que puderam ter no projeto um meio de sustento, em substituição a sua vida de pescador e catador de caranguejo, também significou um processo de transformação muito grande. Então, as conjunturas políticas, a meu ver, são da micropolítica e são resultados de transformações de vidas, que talvez a gente consiga enumerar pontualmente. Não são grandes transformações no mundo, mas são microtransformações, que, eu acho, que mudaram o mundo dessas pessoas e suas microrelações sociais onde o projeto teve atuação, tanto em Magé quanto em Itambi, em São Gonçalo, Niterói, eu vejo que promoveram transformações importantes. 
Charles – Você lembra de alguns episódios? O que te surpreendeu positivamente e negativamente durante o tempo que você estava por lá? Tem alguma coisa que te marcou, tanto para o lado positivo quanto para o negativo? 
Rogério -  Algumas coisas me surpreenderam. Uma delas foi a questão do lixo. Eu sempre atuei com Baía de Guanabara, de muitos anos mesmo. Eu me envolvi com lutas em defesa da Baía e tinha acesso a dados dos mais variados sobre os impactos, as atividades degradantes e sempre soube que o lixo era um dos grandes problemas, mas eu não tinha uma ideia de como esse problema operava. Então me surpreendeu a quantidade de lixo flutuante que chegava diariamente na região. Não só a quantidade, mas o tipo de lixo e a variedade. Era muito curioso a quantidade de calçados que chegava lá, os mais variados: sapatos, tênis, sandálias, chinelos, aos montes, dezenas, todos os dias. Alguns lixos grandes: sofás, pedaços de estruturas, de eletrodomésticos, a quantidade de tubos de televisão... para mim também era bastante curioso...quantos tubos de televisão, aquelas antigas... que agora é tudo tela plana... mas aquelas tevês antigas que tinham aqueles tubos... chegavam vários desses boiando. Uma coisa que surpreendeu foi um tênis que chegou com um pé dentro, um morteiro bomba mesmo, não é morteiro desses de artifício, que chegou lá e a gente teve que chamar o exército para retirar. Uma ocasião em que chegaram dois cadáveres algemados. Enfim, é uma enormidade de lixo que chega lá e com essas curiosidades. É assustador ver um tênis... eu não vi, mas a gente tinha os relatos. Um tênis com um pé de criança dentro. Enfim, isso aí me surpreendeu. Outra coisa que surpreendeu também foi a própria intervenção física que o Moscatelli planejou, da construção de canais. Foram quilômetros de canais. A gente fez uma intervenção que você, do avião, via a dimensão dos canais. A abertura dos canais foi um trabalho muito intenso, duradouro e que se tinha essa desconfiança se o resultado dele seria positivo ou não. Demorou para ter resultado. Eu me lembro dos técnicos do Ibama indo fazer vistoria e eles, também impressionados com a quantidade de canais, duvidosos se teriam resultado positivo e acabou tendo. O que mais me surpreendeu? Eu sou advogado e atuo na área ambiental há muito tempo, mas me surpreendeu um pouco a dificuldade de recuperação de uma área dessas. O esforço que se tem que fazer e o embate diário com as alterações que a própria natureza promove. A maré cheia trazendo lixo, depois as chuvas fortes que aconteceram, em uma ocasião, em Petrópolis, que carrearam muita terra para lá, meio que enterrando parte dos canais, soterrando mudas, e a incapacidade política de dimensionar essas variáveis ambientais em um convênio, em um projeto que tenha um plano de trabalho e que o poder público é, muitas vezes, insensível a essas dimensões porque ele tem que se planejar. Então, tem lá um convênio, um plano de trabalho, que tem que ser cumprido dentro dos prazos ou a mudança de prazos tem que ser justificadas. Isso acabou se tornando um grande dificultador porque a incapacidade de compreender essa dinâmica natural e a necessidade de transformação do projeto acabou criando um problema sério de administração do projeto. A questão técnica com a política, a administrativa, tentando, de alguma forma, se adequar às nuances da própria organização da natureza são fatores que constroem divergências e que acabam criando imbróglios jurídicos e administrativos difíceis de superar. Então, isso me surpreendia também. O esforço que a gente tinha que fazer para readaptar o projeto, reorganizar as intervenções e a dificuldade disso ser operado no âmbito do processo administrativo e do financiamento público. Foram fatores que também me surpreenderam ao longo do projeto, mas, por outro lado, depois de eu ter saído, o que me surpreendeu positivamente foi vê-lo chegar a um resultado positivo porque quando você começa a vivenciar essa quantidade de dificuldades, a dimensão que ganham quando você joga essas questões para resultados materiais dentro de um processo administrativo, isso, às vezes, dava um desânimo, de falar: “Poxa, será que isso vai gerar um resultado positivo?” Ver o resultado positivo depois foi, para mim, uma surpresa porque eu fiquei pouco tempo, dois anos no projeto. Ele iniciou em 2001 e, portanto, estamos em 2013, tem 12 anos. Desses 12, eu participei de dois, mas eu sei que os anos em que eu participei foram fundamentais porque foi o período inicial. A partir dele é que o restante dos resultados poderiam ou não se constituir. Então, ver o resultado positivo tempos depois, para mim, foi uma surpresa bastante importante. 
Charles – Qual é a importância de um projeto como esse do Mangue Vivo em todos os níveis: municipal, estadual, nacional e mundial? 
Rogério -  Ele tem uma importância grande de ser um projeto de recuperação ambiental. Essa é a grande importância dele. Você recuperar uma área degradada é muito importante e dimensionar isso é um esforço que pode ser carregado com a subjetividade do intérprete. A meu ver, ele tem importância em graus distintos. No âmbito local, eu acho que a maior importância é, exatamente, o reflexo local. Você conseguir que a intervenção física, de alguma forma, traga resultados para as comunidades que vivem ali. A meu ver, é a dimensão mais visível da sua importância: a mudança nas microrrelações políticas e econômicas locais, de você conseguir aquecer uma economia local com um projeto ecológico, de você conseguir absorver mão-de-obra, que, muitas vezes, depende do meio ambiente, mas, às vezes, não tem essa consciência da importância ambiental. Sabe que precisa, vive daquilo, mas, eventualmente, não teve a oportunidade de construir essa consciência de forma coletiva. Eu acho que o projeto viabilizou um pouco essa oportunidade dos moradores da região vivenciarem em processos técnicos e políticos que lhes inseriram em uma reflexão. Então, as pessoas se engrandeceram, aprenderam um pouco mais dos processos e, portanto, transformaram-se em multiplicadores de uma consciência ecológica. Eu acho que esse resultado é fundamental e se consolida ao longo dos tempos. As pessoas que passaram pelo projeto, de alguma forma, conseguiram absorver um pouco mais de conhecimento, responsabilidade e são transmissoras disso para outros atores da comunidade e para seus sucessores, suas famílias, filhos, etc. A recuperação do manguezal, ao longo do tempo, traz resultados positivos para o meio ambiente porque reconstitui um ecossistema que é fundamental e é considerado um berçário marinho. Então, traz consequências positivas ao longo do tempo. A Baía de Guanabara, se mantém seus ecossistemas e atividades econômicas como a pesca, mesmo diante de uma quantidade muito grande de agressões que recebe diariamente, se ainda mantém essa vivacidade é por causa da existência dos remanescentes de manguezais da Baía de Guanabara, que não estão ali naquela região de intervenção do projeto. Aquela região já foi muito degradada, mas está na outra vertente do município de Magé, pegando Magé, Itaboraí, Guapimirim e parte de São Gonçalo, em um grande remanescente de manguezais que está protegido em razão de movimentos na década de 80, que conseguiram consolidar a criação da APA Guapimirim, a área de proteção ambiental de Guapimirim e, mais recentemente, a estação ecológica da Guanabara, que são unidades de conservação que protegeram esses manguezais. Então, ali a área está degradada. O processo envolve a recuperação ambiental da área e, como resultado, a criação do parque municipal e, portanto, a consolidação de uma unidade de conservação nessa região que vai servir, não só para uma contribuição ecológica macro, mais um fragmento de manguezal que reaparece na região, mas como parque municipal, que tem também a virtude de, como área de uso público, atrair escolas, visitantes, para conhecerem o manguezal. As pessoas protegem e valorizam aquilo que conhecem. Então, o projeto está criando uma oportunidade, que ainda será consolidada, de, através do parque municipal e do uso público futuro que essa área pode vir a ter por uma gestão com o município, de fortalecer os valores do manguezal através do conhecimento e da visitação. Eu vejo esses resultados como relevantes. 
Charles – Você se lembra do primeiro dia em que você pisou nessa região? Você lembra como foi?
Rogério -  Mais ou menos. Minha memória, pelo distanciamento do tempo que eu já deixei de ir à área, se mistura com fatos e acontecimentos que se deram ao longo do projeto. Ali, eu tenho uma memória também de infância porque o meu avô tinha uma casa na praia de Mauá e eu ia para lá quando era criança. Eu vivia correndo por aquelas praias. Eu me recordo da imagem do lodo e dos caranguejos. Eu pegava a bicicleta e rodava boa parte dali da região. Então, quando eu cheguei lá, no primeiro dia, fui revivendo um pouco da minha infância, do meu contato com aquela região, com os caranguejos, com aquela praia, que é suja, de mangue e que não é uma praia que seja boa para se banhar, que tem outras características. Então, eu misturo um pouco essa minha chegada lá com as memórias de infância, mas, de fato, eu não tenho uma memória do primeiro dia que eu cheguei. A memória está meio embaçada com os vários acontecimentos. 
Charles – Eu queria terminar te perguntando o que representa na sua vida ter participado desse projeto?
Rogério -  Para mim, tem uma representação muito importante porque, como advogado ou como militante da causa ecológica, eu sempre atuei na construção de políticas públicas através da norma jurídica ou dos processos políticos e administrativos. Eu não tenho uma formação de biólogo ou de engenheiro florestal. Então, eu nunca tive uma atuação marcante na materialização de processos ecológicos. Eu sempre estive mais no outro lado do balcão. Então, para mim, esse projeto foi a oportunidade de ter contato direto com o processo de recuperação de áreas degradadas, de transformação de um ambiente degradado. Para mim, esse projeto significou um aprendizado muito importante nos aspectos técnico, social e também político porque era uma construção cotidiana. A gestão das organizações, do consórcio Baía Viva... mas, a oportunidade de vencer as dificuldades de recuperação de uma área degradada, para mim, foi o melhor aprendizado. Foi uma oportunidade fantástica e me fez um ser humano melhor. Contribuiu muito na minha visão de mundo, de vida... o contato com os pescadores, com os catadores de caranguejo e o conhecimento da sua dura realidade foi, para mim, um grande aprendizado. Carrego comigo uma imagem muito bacana, que me orgulha e me estimula hoje, como servidor público da área ambiental. Hoje eu sou analista ambiental do Instituto Chico Mendes, de conservação da biodiversidade, que é o gestor da APA de Guapemirim e da estação ecológica Guanabara. Hoje, quando eu vou nessas áreas, quando levo meus alunos, que eu sou professor de direito ambiental e já levei alunos para visitar os manguezais lá de Guapemirim, quando eu vou a uma área dessas, quando eu participo de algum processo que envolva pescadores, catadores de caranguejos, essa classe social tão abandonada e esquecida pelas políticas públicas, eu carrego essa história e os conhecimentos que eu adquiri com o projeto em qualquer intervenção, decisão ou participação que eu tenha nesses processos. Eu trago um pouco dessa experiência do Mangue Vivo, portanto, ele, para mim, foi um projeto importante porque me ajudou a conhecer mais a dura realidade da degradação ambiental, as dificuldades de recuperação de uma área degradada, as dificuldades da vida dessa parcela da população que vive da natureza, que necessita dela, não só para a manutenção dos seus meios de vida, mas para os modos mesmo, sua cultura e valores estão constituídos dentro de paradigmas que são distintos dos nossos, como cidadãos urbanos: gente que cresce dentro de prédios, cercados de cimento e recebem os benefícios da natureza já processados. A gente não enxerga essas dificuldades porque as coisas já chegam prontas para a gente. Então, ter vivenciado essa dificuldade, para mim, teve um resultado muito positivo porque, de fato, eu sou um ser humano melhor depois de ter participado do projeto Mangue Vivo. 


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